Não são poucas as vezes que tentam diminuir o papel da Princesa Isabel na abolição da escravidão. A questão é que tal tentativa é injusta pois ignora fatos e relatos históricos que mostram exatamente o contrário.

Tais tentativas de menosprezar a participação da Princesa Isabel mostra na verdade uma vontade maior, de negar e esconder o que de fato ocorreu: a princesa não somente participou como foi ativa no movimento abolicionista.

A Princesa abolicionista

Isabel era uma mulher discreta, religiosa e atenta aos problemas de seu país. Para ela a escravidão saltava aos olhos e assim como seu pai, o Imperador Pedro II, deixava clara sua posição abolicionista.

A monarquia no Brasil independente sempre foi constitucional, isso significa que as leis deveriam ser aprovadas no parlamento (câmara e senado). Isso significa que era preciso convencer deputados e senadores da importância de tal medida.

Havia muita coisa em jogo os grandes fazendeiros e consequentemente grandes proprietários de escravos já viam que a escravidão não iria durar muito e tentaram propor uma abolição com indenização aos proprietários de escravos.

Já os abolicionistas com apoio da Princesa Isabel defendia uma abolição com indenização aos escravos, para que pudessem seguir a vida de forma independente e se inserir na sociedade da melhor maneira possível.

Este apoio da Princesa ao movimento abolicionista é comprovado por inúmeros relatos do período. Talvez a mais marcante delas seja a relação da Princesa com a Camélia branca, flor símbolo do movimento abolicionista no Brasil.

A Camélia é uma flor exótico e de cultivo cuidadoso simbolizava a luta pela abolição por simbolizar a liberdade que se almejava, essa liberdade tão difícil e de trabalhoso cultivo haveria de florescer no Brasil assim como a bela flor asiática.

As belas camélias brancas eram cultivadas no Quilombo do Leblon que tinha como proprietário José Seixas, um português que possuía uma fábrica de malas no Rio de Janeiro.

Era do Quilombo do Leblon que a Princesa recebia suas Camélias, como nos conta Eduardo Silva:

Além da cumplicidade que tinha com os grupos abolicionistas do Rio, contava com a proteção da própria Princesa Isabel.
Pelo menos o homem fornecia suas camélias, embases regulares, ao Palácio das Laranjeiras, então residência da princesa e hoje sede do governo do Estado.
As camélias do Leblon enfeitavam não apenas a mesa de trabalho da Princesa, como ainda sua capela particular, onde se apegava a Deus e fazia suas orações.

SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura – Página 3

No quilombo do Leblon os escravos fugitivos recebiam trabalho e proteção e a garantia de não terem de retornar ao trabalho forçado, e quem garantia tal proteção era a própria princesa.

Mas a Princesa não se prestava apenas a efeitos simbólicos como portar a flor símbolo do movimento abolicionista.

Sobre isso nos deixam relatos o grande André Rebouças, que não deixava de criticar nem mesmo o Imperador quando achava que precisava.

Havia todo um esquema de financiar as fugas, hospedar e proteger os escravos a partir da década de 1870 e a Princesa Isabel era ativa nesta empreitada enquanto não se conseguia por um fim definitivo na escravidão.

A Princesa Isabel também protegia fugitivos em Petrópolis. Temos sobre isso o testemunho insuspeito do grande abolicionista André Rebouças, que tudo registrava em sua caderneta implacável. Só assim podemos saber hoje, com dados precisos, que no dia 4 de maio de 1888, “almoçaram no Palácio Imperial 14 africanos fugidos das Fazendas circunvizinhas de Petrópolis”. E mais: todo o esquema de promoção de fugas e alojamento de escravos foi montado pela própria Princesa Isabel.

SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura – Página 4

É através do relato do próprio André Rebouças que sabemos também que quando se deu a assinatura da Lei Áurea a Princesa Isabel tinha mais de mil protegidos acolhidos e hospedados sob os auspícios da Princesa (SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura – Página 5).

Mais de mil escravos sob sua proteção direta, quando nos aprofundamos vemos e compreendemos a revolta dos proprietários de escravos com a Princesa.

Ex-escravos do Quilombo do Leblon homenageiam a Princesa Isabel depositando Camélias Brancas em frente a um retrato da Princesa.

A Princesa Isabel queria mais que a abolição

Claro que a abolição foi uma grande vitória. Vitória dos negros frente ao terror da escravidão e dos abolicionistas que lutaram e arriscaram muito para garantir algo que todo ser humano merece: a liberdade.

Para a Princesa, apenas assinar uma lei abolindo a escravidão não era suficiente, era preciso mais. Era preciso pensar no que fazer após, quando aqueles homens e mulheres forem livres.

Como já comentei neste texto havia um grupo de abolicionistas no Império que trabalhavam para que a abolição não só fosse feita, mas para que os libertos tivessem dignidade após a abolição.

A Princesa Isabel tinha a intenção de uma abolição com indenização de terras aos ex-escravos e a criação de uma rede de escolas para os negros e pessoas que não pudessem pagar por seus estudos.

Quanto a rede de escolas a Princesa Isabel foi buscar ajuda de Dom Bosco, religioso italiano criador de um método de ensino próprio, ela escreveu ao religioso que enviasse missionários para o Brasil e se comprometeu a ajudar na obra.

Os registros desta correspondência entre o Santo Católico e a Princesa brasileira ficaram registradas na Memorie Biografiche di Don Giovanni Bosco, compiladas pelo P. G. B. Lemoyne, e abaixo temos o trecho de uma das cartas de Dom Bosco para a Princesa, onde vemos o início dos trabalhos.

Turim, 25 de Março de 1886

Alteza Imperial, a Divina Providência dispôs que se abrissem duas casas Salesianas no Império do Brasil: uma em Niterói, e outra em São Paulo, ambas consagradas a acolher meninos pobres e abandonados. Alguns dos nossos religiosos que aí trabalham e vieram por algumas semanas à Itália falaram-me muito da bondade e da caridade de Vossa Alteza Imperial, e, por isso, creio-me no dever de lhe apresentar os meus agradecimentos e recomendar a V. A., e a Sua Majestade o Imperador, todos os Salesianos, que não desejam outra coisa senão salvar almas para o Céu e diminuir na terra o número dos maus elementos. Eles rezam e recomendam aos seus meninos que rezem pela saúde e bem-estar de V. A., de Sua Majestade e de toda a Família Imperial. (…)

Trecho de carta de Dom Bosco para a Princesa Isabel

Os primeiros Missionários Salesianos chegaram ao Brasil em 1881 por intermédio da Princesa Isabel, iniciando em Niterói e em pouco tempo em vários lugares do país.

Mas Isabel também tinha a intenção de indenizar os libertos com terras para que pudessem viver com dignidade e conseguir o sustento do próprio trabalho de forma igual na sociedade.

A Lei Áurea não era suficiente, mas a república não permitiu o avanço

É impossível negar que a Lei Áurea foi uma conquista, mas não era suficiente para a Princesa e muito menos para os abolicionistas. A rede abolicionista então se manteve após a Lei Áurea por outros objetivos.

Muitos acusam a Princesa que a Lei Áurea libertou os escravos mas não criou nenhuma política de apoio de inserção desta população na sociedade.

Se por um lado era verdade, por outro é preciso lembrar que a lei foi debatida no parlamento e que para ver a lei aprovada os abolicionistas abriram mão da indenização aos escravos enquanto os escravocratas abriram mão de uma indenização aos proprietários.

A briga pela indenização dos escravos seguia em discussão. A Princesa então reuniu interessados em criar um fundo para comprar terras e doar aos ex-escravos, onde pudessem viver e tirar o próprio sustento.

Isso não era ilegal, mas tinha um problema: os republicanos. Por mais de cem anos a Família Imperial repetiu que a Princesa Isabel e um grupo de doadores tinham o projeto de indenizar os escravos libertos, mas os planos foram por água abaixo com a proclamação da república.

Poucos acreditavam, afinal não havia nada para sustentar tal afirmativa a não ser a palavra da Família Imperial, mas em 2007 foi descoberta uma carta da Princesa Isabel ao Visconde de Santa Victoria muda o cenário e coloca muitas perguntas no ar.

Visconde de Santa Victória era sócio do Barão de Mauá e a carta é datada de 11 de agosto de 1889, ou seja, apenas um mês antes do golpe que pôs fim ao Império do Brasil e instalou a república. Segue abaixo a carta:

11 de agosto de 1889 – Paço Isabel
Corte midi
Caro Senhor Visconde de Santa Victória

Fui informada por papai que me colocou a par da intenção e do envio dos fundos de seu Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de Maio do ano passado, e o sigilo que o Senhor pediu ao presidente do gabinete para não provocar maior reação violenta dos escravocratas.

Deus nos proteja dos escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da Casa de Bragança no Brasil.

Nosso amigo Nabuco, além dos Srs. Rebouças, Patrocínio e Dantas, poderem dar auxílio a partir do dia 20 de Novembro quando as Câmaras se reunirem para a posse da nova Legislatura. Com o apoio dos novos deputados e os amigos fiéis de papai no Senado será possível realizar as mudanças que sonho para o nosso Brasil!

Com os fundos doados pelo Senhor teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos, realizando uma grande e verdadeira reforma agrária a quem é de direito.

Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seus bens, o que demonstra o amor devotado do Senhor pelo nosso Brasil. Deus proteja o Senhor e todo a sua família para sempre!

Foi comovente a queda do Banco Mauá em 1878 e a forma honrada e proba, porém infeliz, que o Senhor e seu tão estimado sócio, o grande e mui querido Visconde de Mauá aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos maldosos ingleses de forma desonesta e absolutamente corrupta!

A queda do Sr. Mauá significou uma grande derrota para o nosso Brasil! Mas não fiquemos mais no passado, pois o futuro nos será promissor, se os republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar e realizar mais um pouco.

Pois as mudanças que tenho em mente, como o senhor já sabe, vão além da liberação dos cativos e que seus sustentos sejam realizados de forma honrosa.

Quero agora me dedicar a libertar as mulheres dos grilhões do cativeiro domestico, e isto será possível através do Sufrágio Feminino!

Se a mulher pode reinar também pode votar!

Agradeço vossa ajuda de todo meu coração e que Deus o abençoe!

Mando minhas saudações a Madame la Vicomtesse de Santa Vitória e toda a família.

Muito de coração
ISABEL

A carta é um documento de suma importância para nossa história e mostra o Brasil que poderíamos ter tido com Isabel como Imperatriz.

A república não matou somente os projetos da Princesa descritos na carta, matou um projeto de Brasil e não colocou nada no lugar a não ser o egoísmo e o autoritarismo.

Após ler esta carta, além da tristeza, ficam algumas perguntas:

  • O que a república fez com o dinheiro do fundo criado pela Princesa para o benefício dos escravos libertos?
  • O que os republicanos tanto temiam com a emancipação dos negros e sua inserção na sociedade?
  • Quem ganha destruindo a imagem da Princesa Isabel?

Estas são perguntas honestas que precisamos ir atras das respostas na história. Nosso povo precisa conhecer a verdade.

Fontes: